Lutando pela Amazônia e pela Humanidade: O legado de Chico Mendes continua vivo

 

"No início, pensei que estava lutando para salvar as seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora percebo que estou lutando pela humanidade."

Chico Mendes, 1944-1988

Essas palavras foram ditas por Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes - o famoso seringueiro, líder sindical e ativista ambiental brasileiro que se tornou um símbolo global da luta para proteger a Floresta Amazônica e os direitos de suas comunidades tradicionais e indígenas.

Chico Mendes: Defensor da Amazônia e de seu povo

Chico Mendes, nascido em uma família de seringueiros em Xapuri, no estado brasileiro do Acre, cresceu trabalhando como seringueiro, extraindo o látex da Seringueira (Hevea brasilensis) de forma a preservar o frágil equilíbrio da Floresta Amazônica. Com o aumento do desmatamento em larga escala nas décadas de 1970 e 1980 durante a ditadura militar brasileira, ele uniu os seringueiros - mulheres, homens e crianças - em sindicatos e liderou uma resistência pacífica chamada “empates” para resistir à destruição da floresta causada pela pecuária, exploração madeireira e projetos de desenvolvimento apoiados pelo governo que ameaçavam a subsistência dos seringueiros e dos povos indígenas. Sua defesa das Reservas Extrativistas ganhou reconhecimento internacional, mas sua crescente influência o tornou um alvo. Em 1988, ele foi assassinado na porta de sua casa por um fazendeiro da região que se opunham ao seu trabalho. Embora ele não tenha vivido para ver a criação do trabalho de sua vida, as Reservas Extrativistas, estabelecidas logo após sua morte, seu legado perdura, inspirando políticas que continuam a proteger a Amazônia e seu povo até hoje.

Um chamado para o mundo: Protegendo a Amazônia, protegendo nosso futuro

Seu primo, Raimundo Mendes de Barros, também seringueiro e ativista, dedicou sua vida a continuar a luta de Chico pela conservação da Amazônia e pelos direitos de suas comunidades tradicionais e indígenas. Para Raimundão, de 79 anos, como é conhecido o primo de Chico, a luta pela preservação da Amazônia não é apenas uma luta local - é uma responsabilidade global. “Como alguém nascido e criado na floresta, e como defensor dela por toda a vida, quero fazer um forte apelo à comunidade internacional - especialmente àqueles com acesso a recursos”, diz ele. A mensagem de Raimundo é clara: é necessário investimento urgente para restaurar áreas degradadas e promover práticas sustentáveis que permitam que as pessoas usem a terra sem destruir a floresta.

Ele acredita que, com as ferramentas certas, o desenvolvimento econômico e a conservação podem andar de mãos dadas. “Por meio de mecanização, fertilização, sementes de qualidade e assistência técnica, podemos aumentar nossa economia sem destruir o que resta”, explica ele. Ao se concentrar no replantio de espécies nativas e na restauração de ecossistemas perdidos, ele vê um caminho a seguir - um futuro em que a floresta prospera ao lado daqueles que dependem dela.

Raimundo Mendes de Barros, also a rubber tapper and activist, has spent his life to continue Chico’s fight for the conservation of the Amazon and the rights of its traditional and Indigenous communities. Photo: Government of Acre

Raimundo Mendes de Barros, also a rubber tapper and activist, has spent his life to continue Chico’s fight for the conservation of the Amazon and the rights of its traditional and Indigenous communities. Photo: Government of Acre

Raimundão participou recentemente de um evento na capital do Acre, Rio Branco, convocado pelo governo do estado para discutir como o financiamento climático internacional dos mercados de carbono pode ser distribuído de forma equitativa entre as partes interessadas para reconhecer seu papel na proteção das florestas do Acre e, ao mesmo tempo, fortalecer as medidas para reduzir o desmatamento: “Nós nos reunimos - extrativistas, povos indígenas, ribeirinhos, técnicos e representantes do governo - porque defender a Amazônia é uma responsabilidade compartilhada, não apenas para aqueles que vivem aqui, mas para todo o Brasil e o mundo. Enquanto nos preparamos para a próxima fase de um grande projeto que beneficia comunidades tradicionais, é fundamental que o governo continue apoiando essas discussões. Estou animado com a solidariedade e o comprometimento desta reunião e espero que nossos esforços levem a oportunidades reais que melhorem a vida das pessoas, protejam a floresta e combatam o aquecimento global.”

“O impacto das mudanças climáticas na Amazônia é imenso”

A Amazônia está enfrentando desafios ambientais sem precedentes, e aqueles que viveram na floresta por gerações estão testemunhando sua rápida transformação: “O impacto da mudança climática na Amazônia é imenso, e devo dizer que levará tempo para as pessoas se adaptarem ao que está acontecendo”, diz Raimundão, que também é morador vitalício da Reserva Extrativista Chico Mendes, uma unidade de conservação criada em 1990 para proteger os meios de vida das populações extrativistas, como os seringueiros, ao mesmo tempo em que preserva a Floresta Amazônica circundante. Os sinais das mudanças climáticas, explica Raimundão, estão se tornando impossíveis de ignorar.

Um dos problemas mais alarmantes é a crescente escassez de água. “Já estamos vendo a escassez de água, não apenas na minha área, mas em muitas outras”, diz ele. Em resposta, as comunidades foram forçadas a perfurar poços artesianos de 40, 50 e até 60 metros de profundidade, algo que nunca imaginaram que seria necessário na Floresta Amazônica.

O calor extremo é outra dura realidade. “Em alguns dias, é insuportável”, admite Raimundão. “Sou idoso e tenho problemas de saúde, por isso não posso ficar no campo depois das 8h30 da manhã. Tenho que começar a trabalhar às 5h da manhã só para conseguir algumas horas antes que o calor se torne insuportável.”

Sobrevivência em um clima em mudança

A crise vai além dos seres humanos - a vida selvagem também está passando por dificuldades. “Estamos testemunhando a fome e a sede entre os animais da floresta. Eles estão viajando por horas apenas para encontrar água”, diz ele. Nas poucas fontes de água que restam, animais como pacas, tatus e macacos se reúnem em desespero. A escassez de alimentos também está levando a vida selvagem para os espaços humanos. “Os animais estão invadindo as casas das pessoas em busca de comida. Na minha casa, temos que manter nossas galinhas dentro de casa porque, se as deixarmos do lado de fora, os macacos as comerão.”

Mudanças inesperadas no comportamento da vida selvagem também estão causando preocupação. “Estamos vendo novas espécies, como queixadas selvagens, aparecerem em nossa região. Eles não costumavam estar aqui, mas agora estão por toda parte, até mesmo atacando pessoas”, explica Raimundão. Ele se lembra de uma experiência chocante do ano anterior: “Ao voltar da colheita da castanha com meus filhos, encontramos um grupo de queixadas agressivas em um seringal. Trabalhei na floresta durante toda a minha vida, inclusive nos seringais da Bolívia, onde há muitos porcos selvagens, mas nunca os tinha visto se comportar daquela maneira”.

Para Raimundão, essas mudanças pintam um quadro claro e preocupante do futuro. “A mudança climática está afetando tudo, e levará tempo para as pessoas se adaptarem, porque ninguém é deixado intocado pelo que está acontecendo.” 

Mantendo a próxima geração conectada à floresta

Em casa, os dois filhos de Raimundão - um filho e uma filha - estão seguindo seus passos, envolvidos no trabalho de conservação da Amazônia. Mas eles estão entre os poucos. “A grande maioria dos jovens tomou um rumo diferente”, lamenta. “Muitos se tornaram vaqueiros, passando seus dias montando cavalos e pastoreando gado. Outros, infelizmente, se voltaram para as drogas.”

Essa crescente desconexão entre as gerações mais jovens e a vida tradicional na floresta o preocupa. Ele vê uma necessidade urgente de inspirá-los a continuar a luta pela conservação. “É por isso que tenho grandes esperanças nesse projeto que estamos discutindo. Espero que ele seja renovado e que possamos garantir os recursos necessários para aumentar a conscientização entre a geração mais jovem”, diz ele. “Precisamos inspirá-los a se juntar aos pais e aos mais velhos na defesa do meio ambiente e no cuidado com a nossa reserva.”

No entanto, as distrações modernas os estão afastando. “Neste momento, eles estão sendo atraídos por telefones celulares, televisão e pela ilusão de uma vida mais fácil”, explica Raimundão. Muitos veem a pecuária como uma alternativa mais atraente porque não têm incentivo para permanecerem conectados às formas tradicionais - extrair o látex das seringueiras, colher castanhas e viver de forma sustentável na floresta.

Educando os jovens: A chave para a preservação da Amazônia

Para Raimundão, a chave para reverter essa tendência está na educação e no engajamento. “Precisamos de profissionais qualificados para ajudar a educar e conscientizar nossos jovens”, enfatiza. As escolas, ele acredita, podem desempenhar um papel crucial. “Precisamos usar as coisas que eles já gostam - esportes, comemorações, atividades sociais - como oportunidades para envolvê-los na educação ambiental. Dessa forma, podemos integrar a conservação em suas vidas cotidianas de uma maneira que seja do interesse deles.”

Ao alcançar os jovens onde eles estão e mostrar-lhes que a sustentabilidade não é apenas uma responsabilidade, mas um modo de vida viável, ele espera garantir que a próxima geração continue a luta para proteger a Amazônia. 

O destino da Amazônia é o destino do mundo

O legado de Chico Mendes, também impulsionado por seu primo e outros, lembra ao mundo que a sobrevivência da Amazônia não é apenas uma questão para aqueles que vivem nela. “O que está acontecendo aqui afeta o mundo inteiro. Salvar a Amazônia significa salvar o nosso planeta”, alerta Raimundão. A floresta tropical é um regulador vital do clima global, e sua destruição terá consequências de longo alcance. “A floresta é essencial para manter o equilíbrio ecológico e estabilizar o clima - não apenas para nós que vivemos aqui, mas para as cidades e pessoas em todos os lugares.”

Seu apelo é urgente e resoluto: “Faço um apelo às comunidades nacional e internacional: apoiem-nos na proteção da Amazônia. Porque, ao fazer isso, estamos protegendo o futuro da humanidade.”

Entrevista com Raimundo Mendes Barros feita por: Ângela Rodrigues and Uêslei Araújo

Fotos / Filmagens: Governo do Acre